A frutinha redonda e roxa que sempre foi muito apreciada pelos amazônidas conquistou o mundo. O açaí, fruto da palmeira Euterpe oleracea, virou mania nas academias do Rio de Janeiro e São Paulo na década de 90. Logo, logo, a fama de seus benefícios nutricionais, rica em antioxidantes, antocianinas, fibras e com alto valor energético, chegou aos ouvidos dos estrangeiros, e só no estado do Pará, o maior produtor do Brasil, nos últimos dez anos houve um aumento de quase 15 mil% em suas exportações.
Para atender essa demanda cada vez maior não apenas do mercado nacional, mas do internacional, produtores de açaí começaram a trabalhar dobrado. Entretanto, a coleta dos cachos da fruta até hoje ainda é realizada de forma manual e num processo muito rudimentar. Os coletores utilizam a peconha, uma espécie de cinto feita com fibras de algumas plantas e usada para a escalada do tronco da palmeira, que é impulsionada pela força das pernas para que se chegue ao topo da árvore, que pode atingir até 20 metros de altura. Com um facão nas costas e sem roupas apropriadas, eles estão sujeitos a muitos acidentes.
Em 2016, o Instituto Peabiru fez o primeiro levantamento sobre os riscos enfrentados pelos peconheiros – nome dado aos apanhadores de açaí. A pesquisa revelou que 89% dos coletores entrevistados relataram já ter sofrido acidentes durante a atividade, sendo que metade deles precisou de atendimento especializado.
Enquanto isso, na Polônia, duas designers que já tinham feito trabalhos para o Brasil estavam em busca de um projeto que aliasse design e segurança. Monika Brautsch e Dorota Kabala se depararam então com o estudo do Peabiru e decidiram desenvolver novas ferramentas para os peconheiros.
Desde então, em parceria com a designer brasileira Carolina Menezes, além de membros de uma comunidade do Pará, as profissionais fizeram várias viagens à região, promoveram workshops com os peconheiros e criaram inúmeros protótipos. Para isso, conversaram como os apanhadores para entender qual a real necessidade deles e assim oferecer algo que realmente ajudasse na coleta do açaí e garantisse maior segurança. “Conversando com eles entendemos, por exemplo, que a principal preocupação deles era que o equipamento desse agilidade ao trabalho porque os coletores trabalham por conta própria, não para empresas, e dependem desse dinheiro para sustentar suas famílias”, conta Monika.
Desses bate-papos, as designers também constataram que muitos dos acidentes envolvem as facas, usadas para soltar os cachos das palmeiras, por isso elas acharam importante criar uma bainha onde ela pudesse ser acondicionada.
O protetor de antebraço com luva aumenta o atrito entre a palmeira e os antebraços,
facilita a subida e evita quedas
Após quatro anos de muitos estudos e testes, o “Kit dos Peconheiros” foi aprovado pelos coletores. Ele consiste de um protetor de antebraço (com luva e sem luva), cinto multifuncional, bainha e laços.
“Nosso objetivo foi proteger os antebraços e também criar uma solução para que eles possam pendurar os cachos, através dos laços que são encaixados no cinto, assim como a bainha para a faca”, revela Monika.
Todas as peças foram fabricadas com aço, juntas de alumínio, linho e algodão orgânico, e couro natural. Houve uma preocupação para que o material utilizado fosse o mais sustentável possível. “Esses produtos são para pessoas que trabalham na floresta e lá é muito difícil, por exemplo, achar reciclagem para lixo”, diz Dorota.
O laço para segurar o cacho do açaí
Recentemente o projeto foi um dos destaques da Austin Design Week, uma feira internacional de design, que aconteceu no Texas, nos Estados Unidos.
O próximo o da equipe é desenvolver peças para a proteção das pernas e pés e viabilizar a produção do kit com um custo baixo. “Nosso objetivo é encontrar ONGs ou parceiros que atuem na região e que tenham expertise em produzir e comercializar o Kit dos Peconheiros, a valores íveis. Estes produtos têm potencial para melhorar as condições de trabalho destes profissionais, reduzindo o número de acidentes”, acredita Monika.
Uma das possibilidades é envolver a comunidade local na produção das peças. “Esperamos que o kit reflita e mostre um pouco da beleza desse trabalho que é perto da natureza e da floresta, e que também, ajuda a manter uma boa condição física para os peconheiros, assim como uma boa fonte de renda para essas famílias, contribuindo bastante para a economia local”, ressalta a designer.
O cinto multifuncional tem lugar para a faca
Abaixo o vídeo que apresenta o projeto do “Kit dos Peconheiros”:
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Fotos: Chico Kfouri @chicokfouri