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Fotógrafa e ativista da causa indígena, Mbeni Waré, filha de Ailton Krenak e da indigenista Rosa Costa, morre aos 38 anos 

Mbeni Waré Costa Lacerda, filha do líder e pensador indígena Ailton Krenak e da indigenista Rosa Costa, estava internada para tratar um câncer no fígado, descoberto recentemente. Em 8 de junho, ou por cirurgia no Hospital São Rafael, em Salvador, e não resistiu devido a complicações no período pós-operatório.

Fotógrafa e militante das causas indígenas, Mbeni era formada em Cinema e Audiovisual e estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Nos últimos meses, se dedicava à produção de um de documentário sobre arte indígena, que não teve tempo de concluir.

Segundo Felipe Milanez, amigo de Mbeni e professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), esse era um dos sonhos de Mbeni. “Ela já estava vendo com amigas indígenas para que tocassem o projeto. Mebni tinha muito orgulho de sua família”.

De autoria de Felipe, as fotos acima e abaixo mostram Krenak e Mbeni na exposição Kãhãw: Arte Indígena Antirracista, realizada no Museu de Arte Sacra da Bahia, em outubro de 2022, na qual ela trabalhou como fotógrafa e monitora.

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Mbeni fotografa o pai, Ailton Krenak, na exposição Kãhãw: Arte Indígena Antirracista, no Museu de Arte Sacra/BA / Foto: Felipe Milanez (arquivo pessoal)

Olhar sensível

Apesar de seu otimismo e de declarar aos amigos a certeza que tinha sobre sua recuperação, Mbeni deixou orientações aos amigos para os cuidados à sua mãe, também em relação à doação de órgãos, a seu velório – queria ser abençoada por um diácono porque era católica – e à cremação.

De acordo com o site do Correio da Bahia, um amigo revelou que ela preparou todos para sua morte: “Não acreditando que ia morrer, mas já pensando que talvez isso pudesse acontecer. Deu orientações de como deveria ser o cuidado com a mãe dela e, no hospital, antes de fazer a cirurgia, ela deu todos os detalhes de como queria que fosse o sepultamento. Nós achamos uma loucura porque acreditávamos que ela voltaria conosco”.

“Foi muito de surpresa, ninguém esperava”, contou Igor Pena, diretor de audiovisual que dava e ao filme de Mbeni. “Ela ou o último Natal na minha casa, são muitas memórias juntos. Mbeni era incapaz de fazer mal a alguém. Não era beligerante, era altamente doce”.

Atendendo a seu pedido, a família da fotógrafa doou suas córneas. O gesto foi considerado de forma bastante simbólica pelos amigos devido ao “olhar sensível que a fotógrafa tinha na sua jornada profissional”, revela o Correio. 

Afeto e força: legado

Integrantes do projeto Culturas de Antirrascimo da América Latina (CARLA), da UFBA, lamentaram o falecimento de Mbeni e publicaram nota de falecimento nas redes sociais, compartilhada por Ailton Krenak em seu Instagram.

“Fez a agem deixando um vazio em nossos corações. Nossas sinceras condolências à família e amigos nesse momento difícil. Que encontrem conforto nas lembranças e no amor que deixou como legado”.

Já o Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC) lamentou o falecimento de Mbeni, lembrando que ela integrava o Grupo de Pesquisa em Ecologia Política, organizado pela instituição.

“Nós, comunidade acadêmica do IHAC, ficamos consternados com a partida física de Mbeni Waré Costa Lacerda. Militante da causa indígena, fotógrafa, estudante do BI em Artes e participante do Grupo de Pesquisa em Ecologia Política, Mbeni nos brindou em vida com afeto e força. Nossos sentimentos aos familiares e amigos. Mbeni, presente!”.

“Querida Mbeni, que saibamos viver sem sua presença e orientados por sua luz”, declarou a ANAI – Associação Nacional de Ação Indigenista, da qual faz parte a mãe de Mbeni, Rosa Costa.

“Ela era uma pessoa muito querida por todos. Muito talentosa, dedicada, carinhosa e comprometida com as causas indígenas. Essa partida precoce é uma tristeza para a UFBA e para a UFRB”, contou Felipe Milanez, amigo da fotógrafa e de seu pai.

“Mulher e Terra são doação”

Mbeni é a segunda perda familiar de Ailton Krenak. Há quase cinco anos (que serão completados em 15 de agosto), seu filho mais velho com Irani KrenakKrembá Krenak, de 17 anos -, morreu num acidente na Serra do Cipó, em Minas Gerais.

Na ocasião, o pensador indígena revelou que esse acontecimento terrível o fez compreender a diferença entre as naturezas do homem e da mulher, entre pai e mãe:

“Um homem pode viver a vida dele toda, 100 anos ou mais, mas nunca vai entender a diferença do que acontece com um pai e uma mãe ao perder um filho. Se numa casa acontece uma tragédia, a desgraça não é igual para os dois. Por mais cúmplice que pai e mãe sejam, o pai nunca vai sentir cair no abismo que é pra mãe perder um filho. Eu achava que era igual”. E continuou:

“Quando a gente perdeu o nosso filho nesse acidente horroroso, eu consegui ficar ali assistindo, dando assistência e tudo. A mãe dele não, ela afundou mesmo. Não quis nem mais pisar aqui. Nós tínhamos uma casa ali. Um lugar que a gente achava que os meninos iriam estudar, crescer. Foi depois da morte deste meu filho Kremba, que aprendi a diferença entre pai e mãe, apesar da literatura clássica e dos romances sugerirem que, assim como a Terra, mãe e mulher são provedoras. Mulher e Terra são doação”.

Foto: Marcos Cólon

O site da revista Ecológico, onde encontrei estas declarações profundas, contou que o líder indígena ainda comparou sua percepção aos danos que as atividades extrativistas causam ao mundo, dizendo que a lógica é a mesma.

“Às vezes, a gente se pergunta por que a Terra não responde a esses danos todos repetindo, explodindo e matando todo mundo? É porque uma mãe também não faz isso. Terra e mãe têm essa qualidade que os homens não têm. Se a gente fosse fazer uma metáfora, as corporações são a cara dos homens. Jogam petróleo nos oceanos, enchem o planeta todo de lixo. E, se você for olhar quem está à frente dessas empresas, na maioria das vezes, são um bando de marmanjos que acham que podem enquadrar os outros, o planeta. E a Terra sofre a violência desse pensamento obtuso”.

E Krenak finalizou: “Isso distingue bem a natureza do homem e da mulher. Os homens nunca vão aprender a ver a Terra como Gaia, como organismo vivo e naturalmente autossustentável. Os homens vão vê-la sempre como um canteiro privado, onde eles podem saquear, destruir”.

Foto: Felipe Milanez/arquivo pessoal

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