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Funai realiza megaexpedição para contatar tribo isolada no Vale do Javari

A primeira reação que este título pode provocar na maioria dos leitores que acompanham a posição do governo Bolsonaro em relação aos indígenas, é de preocupação e/ou revolta. Afinal, como o governo que está desmantelando a Funai (no primeiro dia de mandato anunciou sua transferência para o ministério da agricultura!) e favorece o agronegócio e a mineração em detrimento de nossas florestas e dos povos originários, pode fazer algo de bom pelos indígenas isolados? Ou seja, aqueles que nunca tiveram contato com o homem branco.

E também é difícil esquecer que o presidente  sempre disse, pra quem quisesse ouvir, que “índio tem terra demais” e que devemos “integrá-los à sociedade”. Ah, indígenas têm terra demais? Os agricultores e pecuaristas milionários não? E quem disse que eles precisam ser integrados á nossa sociedade consumista? Nós é que devemos aprender a viver como eles antes que acabemos com o planeta. Mas esta reflexão fica para outro momento….

O fato é que, de acordo com a Funai, esta super e delicada missãoa maior dos últimos 20 anos da instituição – vem sendo planejada há tempos. Não é, portanto, obra do governo Bolsonaro, mas de governos anteriores, e tem, por objetivo, reaproximar famílias da etnia Korubo do Coari– seus integrantes se separaram por causa de desentendimentos, em 2015.

Mas seu principal objetivo é ajudar a apaziguar conflitos entre os Korubo e os Matis. O clima tenso entre os grupos se acirrou a partir de 2010, quando os Matis tentaram reocupar terras que ocuparam no ado, vizinhas dos Korubo, na região dos rios Branco e Coari.

Os Korubo roubavam comida, as, ferramentas dos Matis. Entre 10 e 17 indigenas – dizem que foi mais – morreram nesses confrontos. Foi, então, que os Matis procuraram a Funai para fazer contato com o grupo e tentar solucionar o conflito. Quatro anos depois, os próprios Matis procuraram os Korubo e fizeram contato com membros da etnia. Em seguida, estes se afastaram da aldeia isolada e aram a integrar o grupo Korubo que havia sido contatado em 1998.  

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Os Korubo isolados ainda almejam ocupar a terra próxima ao Rio Coari e, por isso, brigam com os Matis. 

Mas a missão não foca apenas nos conflitos: a Funai garante que uma de suas principais preocupações é a sobrevivência dos Korubo, já que não têm proteção imunológica a doenças decorrentes do contato com os brancos. A etnia Korubo está ameaçada de extinção: existem apenas 31 membros entre os isolados e 21 entre os não-isolados.

Desde 1987, após varias décadas de graves conflitos e epidemias que, em alguns casos, dizimaram etnias isoladas, a Funai alterou sua política de atuação: o órgão só vai ao encontro desses grupos caso corram riscos graves ou se vier um pedido de ajuda dos próprios indígenas, como neste caso. Foram os Matis e os Korubos não-isolados que pediram à Funai para organizar e realizar a expedição de proteção e monitoramentoda etnia isolada.

“Tanto os Matis quanto os Korubo vêm pedindo, há algum tempo, que a Funai entre em campo e promova essa expedição para evitar situações que possam gerar conflitos futuros. Não podemos falar de uma situação conflituosa, agora, mas ela poderia evoluir assim, no futuro, mesmo”, contou Marco Aurélio Tosta, da Coordenação de Política de Proteção e Localização de Índios Isolados da Funai, para a Agência Brasil.

Para a reportagem da BBC Brasil, Bruno Pereira, coordenador-geral da área de índios isolados da Funai, que chefia missão, disse que “Temos uma situação extrema ali, que coloca em risco a sobrevivência física dos Korubo isolados, assim como a integridade física dos Matis”.

Para ele, a missão já é justificada pela vulnerabilidadedos Korubo isolados. “Ou a gente intervém, permitindo que eles tenham a integridade física respeitada e mantida, ou ficamos jogando com a sorte, e isso pode ocasionar um novo confronto de dimensão até maior.”

Assim, o grupo expedicionário saiu em 7 de março de Tabatinga (AM) em direção à base da Funai no rio Ituí, dentro da Terra Indígena (TI) do Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, quase fronteira com o Peru. É formado por cerca de 30 pessoas, entre elas funcionários da Funai, indigenistas, profissionais de saúde (um médico, uma enfermeira e um técnico de enfermagem da Sesai – Secretaria Especial de Saúde Indígena.) e 20 indígenas das duas etnias. Para atuar, se dividirá em equipes que se revezarão a cada 40 dias.

Essa TI é uma das maiores áreas demarcadas do país, com mais de 8 milhões de hectares (ou 85 mil km2) – duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro -, e que concentra o maior número de registros de povos indígenas isolados– “16 dos 107 registros de grupos não contatados na Amazônia brasileira”, diz a BBC – e oito etnias já contatadas que reúnem cerca de 4,5 mil pessoas. 

Aqui, vale lembrar que um dos intuitos do governo com a transferência da Funai para o ministério da agricultura é rever as demarcações. Fiquemos de olho, então…

A expedição ainda tem o apoio da Polícia Federal, da Polícia Militar do Amazonas e do Exército. As polícias vão barrar e investigar possíveis quadrilhas de infratores ambientais (eles pescam tartarugas e pirarucu, ilegalmente) na TI e são acusados de atacar o posto da Funai com armas de fogo, por quatro vezes. 

O Exército está equipado com helicópteros para tirar rapidamente a equipe da região com segurança, em caso de emergência. 

Mas, afinal, esse contato é bom ou ruim para os indígenas?

Quando vi o nome de Felipe Milanez, pesquisador e professor de Humanidades na Universidade Federal da Bahia (UFBa), na reportagem da BBC fiquei aliviada. Li tudo sobre este tema e confesso que permaneci com “um dos pés atrás”. Mas Milanez é um dos maiores defensores dos indígenas que conheço. É um cara de bom senso, ético, e não falaria bem deste projeto se ele não fosse realmente bom para quem interessa: os indígenas. 

Na reportagem, salientou que a expedição atual da Funai não se compara com as grandes expedições que quase dizimaram os indígenas isolados no ado. Isto porque, agora, os indígenas lideram o processo e se relacionam com a etnia isolada. Não se trata de uma expedição realizada por órgãos do governo interessados em explorar os territórios indígenas para o desenvolvimento econômico. O cenário é bem outro, portanto. Apesar do Bolsonaro e de seus ministros do meio ambiente, da agricultura…

Para Milanez, essa configuração significa o maior avanço das últimas décadas na política implementada pela Funai para lidar com povos isolados. “A ideia é construir outra relação entre os Matis e os Korubo. Forçar o isolamento ali já provocou muitas mortes”.

E ele ainda chamou a atenção para o uso da palavra ‘contato’ neste caso. “Falar em contato é um mito colonial e não faz sentido algum no Vale do Javari, onde um grupo não está isolado do outro”.

Junto com Barbara Arisi, também pesquisadora, Milanez escreveu o artigo Isolados e Ilhados: Indigenismo e Conflitos no Vale do Javari, publicado no periódico Estudos IberoAmericanos, em 2017, no qual citaram carta dos Matis em que descrevem os efeitos dos primeiros contatos. 

Dois terços dessa etnia morreu por causa de uma epidemia de gripe que se espalhou rapidamente. A Funai chegou a dizer que restavam apenas 50 membros no grupo. A boa noticia é que essa os Matis vêm se recuperando consideravelmente. Em 2014, por exemplo, a Sesai registrou que o grupo era formado por 457 integrantes.

Espero que expedições como esta ajudem a reparar o que é preciso para que os indígenas isolados e não-isolados se entendam e possam se fortalecer para combater as ameaças que os cercam e que, por conta da politica antiindigenista deste governo, podem aumentar e se perpetuar. Em alguns casos, até a extinção.

Se tiverem que lutar, que seja contra brancos gananciosos, não contra os seus: indígenas.

Fontes: Funai, O Globo, Agência Estado, BBC Brasil

Fotos: Divulgação/Funai (indígenas isolados Korubo) 

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