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No Xingu, cacique Raoni é condecorado por Lula e diz que presidente não deve explorar petróleo na Foz do Amazonas

No Xingu, cacique Raoni é condecorado por Lula e diz que presidente não deve explorar petróleo na Foz do Amazonas

Cacique Raoni com agenda cheia! Após encontrar, esta semana, a atriz, cineasta e ativista Angelina Jolie e o fundador do festival internacional de música Loolapalooza, Perry Farrell (contamos aqui), na aldeia Piaraçu, do povo Kayapó, no Parque Indígena do Xingu (PIX), no Mato Grosso, hoje (4), o líder indígena recebeu o presidente Lula, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a ministra do meio ambiente, Marina Silva, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, entre outros representantes do governo.

Por isso, após ser condecorado por Lula com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, a maior condecoração do Estado brasileiro oferecida a cidadãos brasileiros, instituições e estrangeiros em reconhecimento aos serviços prestados à população, o cacique Kayapó, aproveitou seu discurso na língua nativa Kayapó (traduzido por intérprete) para cutucar o presidente:

No Xingu, cacique Raoni é condecorado por Lula e diz que presidente "não deveria" explorar petróleo na Foz do Amazonas
Foto: Ricardo Stuckert / PR

O convite foi feito à Lula em fevereiro, quando recebeu lideranças da região no Palácio da Alvorada, e acontece seis meses após tentativa de Raoni encontrar o presidente “fora da agenda” e não ser atendido.

“Quero falar para todos que eu estive pessoalmente com o presidente Lula convidando para ele vir para nossa aldeia, e ele me disse que viria, mas não veio. Eu encontrei com ele novamente e convidei mais uma vez, ele falou que viria, e não veio. Aí, na terceira vez, falei: presidente, preciso que o senhor venha para minha aldeia, e agora ele está aqui”.  

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E acrescentou: “Quero que eu e o senhor façamos um trabalho que beneficie os povos indígenas do Brasil”. E “quero aqui pedir para o senhor pensar no seu sucessor, que tem que ser o próximo presidente da República, para continuar com a forma do seu trabalho de proteger os povos indígenas e nossos territórios”. Lula, que estava sentado ao lado de Raoni, o olhou e o cumprimentou.

“Participei da sua posse, eu sou pajé, eu sabia que tem gente que queria impedir o senhor de se tornar presidente, e por isso não quero que eu e você entremos em contradição. Quero que eu e o senhor, a gente faça trabalho que beneficie os povos indígenas do Brasil”.

Em seguida, o líder indígena tocou num assunto espinhoso: a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, tão desejada pelo presidente (e que, segundo a Petrobras, pode conter 10 bilhões de barris de petróleo), mas, certamente, vai causar danos à biodiversidade e às comunidades indígenas e ribeirinhas que ali vivem. 

“Eu tô sabendo que, na Foz do Amazonas, o senhor está pensando no petróleo que tem lá debaixo do mar. Eu penso que não [deveria] porque, essas coisas, da forma como estão, garantem que a gente tenha o meio ambiente e a terra com menos poluição e menos aquecimento. Se isso acontecer, eu sou pajé também. Eu já tive contato com os espíritos, que sabem dos riscos que a gente tem de continuar trabalhando dessa forma, de destruir e destruir e destruir. E que podemos ter consequências muito grandes que não vamos conseguir parar”. Lula sorriu e ele e Raoni se cumprimentaram novamente (foto abaixo; ao fundo, o sobrinho e interprete de Raoni).

Foto: Ricardo Stuckert / PR

“Esse trabalho que você vem fazendo de lutar pelas pessoas, assim como eu fiz – então nós dois fazemos o mesmo trabalho – eu quero que a gente seja exemplo para as outras pessoas para que as outras pessoas, depois de nós, depois que partirmos, possam continuar defendendo outras pessoas, com esse trabalho de ajudar, de proteger, de garantir a paz”.

Pra finalizar, Raoni fez uma cobrança em defesa do Xingu: “Uma coisa que eu falei com o presidente desde a posse, fiz uma cobrança para ele não repetir alguns erros que ele fez na gestão anterior. Eu não gostei de alguns trabalhos dele, mas falei ‘presidente, daqui pra frente, vamos trabalhar certo pra que as pessoas sejam felizes’. E uma das coisas que eu pedi – e o presidente se comprometeu, é pra que ele faça uma nova limpeza no limite da nossa terra pra garantir o limite físico, pra proteger nossas terras e nossos filhos e nossos netos usufruam do nosso território”.

No Xingu, cacique Raoni é condecorado por Lula e diz que presidente não deve explorar petróleo na Foz do Amazonas
Todos ouvem atentos à tradução da fala de Raoni
Foto: reprodução de vídeo

“Assegurar os direitos indígenas é prioridade absoluta”

Lula, por sua vez, leu seu discurso – para facilitar a tradução – e rendeu hormenagens ao cacique e aos povos indígenas. Destaco alguns trechos, mas reproduzo o discurso, na íntegra, mais adiante para quem quiser lê-lo. Vale muito.

“De tempos em tempos, a experiência humana é contemplada com o nascimento de seres extraordinários. Homens e mulheres que dedicam a vida à defesa do planeta e de seus povos. Cientes da complexidade de seus tempos e de suas realidades, movem estruturas para a construção de um mundo de paz, mais justo e mais sustentável. Estamos diante de um desses grandes nomes da história: meu amigo cacique Raoni, merecedor de todas as homenagens no Brasil e no mundo”.

Guerreiro incansável na defesa dos povos indígenas, do meio ambiente e da Amazônia, nosso querido Raoni segue ativo em sua nobre missão. Raoni é uma liderança que inspira paz, sabedoria ancestral e profundo conhecimento sobre as necessidades da terra e a relação do homem com a natureza. Por isso mesmo, atrai atenção e apreço de tanta gente em todo o mundo”.

No Xingu, cacique Raoni é condecorado por Lula e diz que presidente não deve explorar petróleo na Foz do Amazonas
Foto: reprodução de vídeo

“Hoje é um dia de homenagens, mas também de escuta às demandas de vocês para encaminhamento das soluções. Tenho certeza de que todos vocês sabem, mas faço questão de lembrar, e repetir sempre que possível. Somos um governo que respeita os povos indígenas, reconhece seus direitos e trabalha dia e noite, noite e dia, para que eles sejam assegurados”.

Lula reconheceu que, “sem a proteção dos povos indígenas, o cuidado com a floresta e os rios, a crise climática traria eventos ainda mais extremos – de secas a inundações – para toda a população brasileira, sem exceção”. E que os indígenas “são fundamentais para atingirmos a meta de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. Se alguém não compreende essa grandeza, precisa saber que as menores taxas de desmatamento estão nos territórios indígenas, que reúnem 80% de toda a biodiversidade do nosso planeta”.

Garantiu que “assegurar os direitos indígenas é prioridade absoluta” de seu governo, que vem trabalhando nesse sentido, “demarcando e homologando terras, retirando não indígenas e combatendo o crime organizando em processos bem-sucedidos de desintrusão dos territórios”. Reconhecendo que ainda há muito a ser feito, afirmou que “nossas políticas convergem nesse sentido de assegurar integralmente os direitos indígenas. Sempre enfrentando os desafios, que são muitos e precisam ser tratados de forma negociada, com diálogo e transparência”.

O presidente destacou que tudo que o o que tem sido feito – e ainda será – não é nada além do “que garantir o que prevê a Constituição“. E, compreendendo que nem tudo é realizado com a agilidade que todos esperam, afirmou que “olhamos para o mesmo rumo, temos o mesmo propósito e a certeza de que o Brasil que queremos e que estamos construindo respeita e valoriza nossos povos originários”.

Por fim, reconheceu o direito dos povos indígenas “de reivindicar, de brigar e de conquistar quantas terras forem necessárias” para que “sua cultura e a sua tradição” sejam respeitadas e mantidas, e acrescentou: “Os que reclamam que os indígenas têm muita terra no Brasil – o equivalente a 14% do território nacional -, não devem se esquecer que, um dia, os indígenas tinham todos os 100% do território nacional”.

Lula, Marina Slva e Joenia Wapichana com o cacique Raoni
Foto: Ricardo Stuckert / PR

A condecoração 

O decreto assinado por Lula, que determinou a homenagem à Raoni, foi publicado hoje no Diário Oficial da União. A condecoração reconhece a luta de uma das lideranças mais influentes do Brasil em defesa dos povos originários, durante toda sua vida (ele deve estar com 93 anos, segundo o Instituto Raoni), o que pode inspirar presentes e futuras gerações a seguir seu exemplo.

A Ordem Nacional do Mérito não é apenas uma homenagem aos agraciados ou o resgate da memória, mas também um incentivo a todos que se dedicam a causas nobres, contribuindo para a paz e o desenvolvimento do país, fortalecendo a identidade nacional e ajudando a garantir um futuro diverso e mais inclusivo.

A honraria foi criada em 1946 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra com o intuito de “galardoar cidadãos e instituições, brasileiros e estrangeiros, que, por motivos relevantes, se tenham tornado merecedores de reconhecimento pelo Estado brasileiro” em diversos setores. E entre os brasileiros agraciados com a Ordem Nacional do Mérito (Grã Cruz), cada um em sua área, estão Manuel Bandeira (1966), Tancredo Neves (1985), Irmã Dulce (1987) Pelé (1991), Ayrton Senna (1994) e Oscar Niemeyer (2007).

Discurso de Lula, na íntegra

Bem, primeiro, eu queria dizer para vocês que eu já viajei muito o mundo. Eu já encontrei com mais de 120 presidentes da República dos países do mundo. Eu já encontrei com os presidentes mais importantes do planeta, com o presidente da China, com o primeiro-ministro da Índia e com o presidente dos Estados Unidos, da África do Sul, de todos os países da América do Sul, de todos os países da América Latina, de todos os países da Europa.

Eu já encontrei com imperador, eu já encontrei com reis e com rainhas. Mas nenhuma dessas pessoas que eu encontrei, nenhum desses palácios que eu visitei é mais importante do que essa visita que eu estou fazendo aos povos indígenas do Xingu. Não existe na face da terra nenhum homem, nenhum presidente, nenhum rei mais representativo do que o nosso querido Raoni.

Por isso, a minha alegria de estar aqui e poder conversar com vocês. Eu tenho um pequeno texto que eu vou ler para facilitar a vida do nosso intérprete, porque se eu começar a falar muito, ele vai ter dificuldade de traduzir.

Queridas amigas e queridos amigos, de tempos em tempos, a experiência humana é contemplada com o nascimento de seres extraordinários. Homens e mulheres que dedicam a vida à defesa do planeta e de seus povos.Cientes da complexidade de seus tempos e de suas realidades, movem estruturas para a construção de um mundo de paz, mais justo e mais sustentável.

Estamos diante de um desses grandes nomes da história: meu amigo cacique Raoni, merecedor de todas as homenagens no Brasil e no mundo.

É com muita alegria que fazemos esse reconhecimento, com a medalha Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, a mais alta condecoração do Estado Brasileiro.

Guerreiro incansável na defesa dos povos indígenas, do meio ambiente e da Amazônia, nosso querido Raoni segue ativo em sua nobre missão. Missão de semear a cultura indígena e o respeito aos povos originários e à floresta. Um trabalho indispensável para as conquistas indígenas das últimas décadas, como os direitos assegurados na Constituição de 1988.

Raoni é uma liderança que inspira paz, sabedoria ancestral e profundo conhecimento sobre as necessidades da terra e a relação do homem com a natureza. Por isso mesmo, atrai atenção e apreço de tanta gente em todo o mundo.

Anônimos, intelectuais, celebridades nacionais e internacionais. Muitos chegam até aqui para beber dessa fonte e aprender com esse homem, ao mesmo tempo simples, firme, luminoso e amoroso.

É uma emoção muito grande estar em território Xingu, na casa de Raoni, e ser recebido com rituais de extrema beleza. Um privilégio para cada um de nós que veio de longe.

Companheiros e companheiras, irmãos e irmãs, hoje é um dia de homenagens, mas também de escuta às demandas de vocês para encaminhamento das soluções. Tenho certeza de que todos vocês sabem, mas faço questão de lembrar, e repetir sempre que possível. Somos um governo que respeita os povos indígenas, reconhece seus direitos e trabalha dia e noite, noite e dia, para que eles sejam assegurados.

Não só respeitamos e reconhecemos, mas iramos e amamos seus saberes e sua cultura. Reconhecemos os direitos e temos a exata noção do papel indispensável dos povos indígenas para a preservação da floresta e para nosso enfrentamento à mudança do clima.

E isso é muito visível quando temos uma oportunidade como a de hoje, de sobrevoar a região e ver do alto o verde e o respiro que o território indígena entrega ao planeta. Tenho certeza de que essa percepção é a mesma de todos os não indígenas que estão aqui hoje.

Sem a proteção dos povos indígenas, o cuidado com a floresta e os rios, a crise climática traria eventos ainda mais extremos – de secas a inundações – para toda a população brasileira, sem exceção.

Vocês são fundamentais para atingirmos a meta de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. Se alguém não compreende essa grandeza, precisa saber que as menores taxas de desmatamento estão nos territórios indígenas, que reúnem 80% de toda a biodiversidade do nosso planeta.

Vocês nos ensinam a preservar e produzir. Tirar o sustento da terra sem destruí-la.

Saibam que assegurar os direitos indígenas é prioridade absoluta. E estamos trabalhando nesse sentido, demarcando e homologando terras. Retirando não indígenas e combatendo o crime organizando em processos bem-sucedidos de desintrusão dos territórios.

Sabemos que ainda há muito a ser feito, mas as nossas políticas convergem nesse sentido de assegurar integralmente os direitos indígenas. Sempre enfrentando os desafios, que são muitos e precisam ser tratados de forma negociada, com diálogo e transparência.

E vale lembrar: não fazemos mais do que garantir o que prevê a Constituição.

Sabemos que muitas vezes o tempo das coisas é mais lento do que as vontades. As de vocês e as nossas. Mas olhamos para o mesmo rumo, temos o mesmo propósito e a certeza de que o Brasil que queremos e que estamos construindo respeita e valoriza nossos povos originários.

Companheiros e companheiras, parece pouco, mas, em 525 anos, é a primeira vez que nós temos uma indígena dirigindo um ministério [Sonia Guajajara], é a primeira vez que nós temos uma indígena dirigindo a Funai [Joenia Wapichana] e é a primeira vez que nós temos um indígena dirigindo a saúde do povo indígena [Weibe Tapeba].

Os que reclamam que os indígenas têm muita terra no Brasil, o equivalente a 14% do território nacional, não devem se esquecer que um dia os indígenas tinham todos os 100% do território nacional. E, que, portanto, vocês têm direito de reivindicar, de brigar e de conquistar quantas terras forem necessárias para a gente manter o povo indígena, a sua cultura e a sua tradição”.

A seguir, assista à cerimônia realizada na aldeia Piaraçu, no Xingu, com as presenças do presidente Lula e do cacique Raoni:

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Foto (destaque): Ricardo Stuckert / PR

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Leonardo
Leonardo
2 meses atrás

Não concordo com a vitimização de outros grupos sociais deste País com fins populistas, porém concordo veemente com está condecoração ao Constituinte Raoni!

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