
Foi num jantar de família, em 2018, que a atriz Alice Braga tomou conhecimento da existência do Relatório Figueiredo, documento com mais de 7 mil páginas que relata uma série de crimes cometidos contra os indígenas durante a ditadura militar: massacres, roubo de terras, remoções forçadas de seus territórios, contágio por doenças infectocontagiosas, prisões, torturas, estupros e assassinatos.
De acordo com a Comissão Nacional da Verdade (CNV) – órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011 e instituído em maio de 2012 (governo Dilma Roussef) para investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 –, ao menos 8.350 indígenas foram mortos nesse período.
(As atividades da CNV foram encerradas em 10 de dezembro de 2014, com a entrega do Relatório Final. Uma cópia do portal desse órgão é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional).
O Relatório Figueiredo (que recebeu o nome do procurador responsável pelas investigações, Jader de Figueiredo Correia) ou décadas desaparecido e foi reencontrado pelo pesquisador Marcelo Zelic em 2012, numa caixa no Museu do Índio, criado em 1953 pelo antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro. Foi rebatizado no início do governo Lula, tornando-se Museu Nacional dos Povos Indígenas, vinculado à Funai (oficialmente, ainda leva o nome original).
O documento denuncia que, parte dos crimes foi praticada por pessoas ligadas (direta ou indiretamente) ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI) – criado em 1910 e substituído pela Fundação Nacional do Índio (hoje, dos Povos Indígenas) em 1967 –, cuja missão era zelar pelo bem-estar dos povos originários.
Indignada com tudo que ouviu, Alice decidiu mergulhar numa profunda investigação e produzir conteúdo que pudesse tornar essa história conhecido do público.
O resultado desse trabalho está na série de áudios Yawara: uma história oculta do Brasil – que denuncia o apagamento sistemático dos povos originários -, apresentada pela atriz e por Daiara Tukano, artista, ativista, educadora e comunicadora indígena. Mas, infelizmente, a série só está disponível para s na plataforma Audible, da Amazon.

Quem participa
Yawara (que significa onça na língua dos Tupinambá) foi escrita por Orlando Calheiros, Renata Machado Tupinambá (os dois também são responsáveis pela direção), Mari Faria, Manaíra Carneiro e Rafael Câmara. A produção é de Bianca Comparato, Laura Barzotto e Claudia Fernandes.
Entre os entrevistados estão a antropóloga Beatriz Matos, diretora para povos isolados do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e viúva do indigenista Bruno Pereira, assassinado junto com o jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, em junho de 2022; o primeiro grupo de rap indígena Bro Mc’s; o artista indígena Denilson Baniwa; o produtor cultural Douglas Krenak; o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro; a jornalista Eliane Brum; o cantor e articulador cultural Gean Ramos Pankararu; o fotógrafo e videomaker Levi Tapuia; a advogada Maíra Pankararu; o antropólogo Marcelo Zelic (falecido em 2023); o jornalista Rubens Valente; a ministra Sonia Guajajara e o multiartista indígena Kaysara.
Alguns trechos série são lidos pelos atores e atrizes Wagner Moura, Lázaro Ramos, Anderson Tikuna, Bianca Comparato, Gabriel Leone e Gregório Duvivier e, também, pelo artista Kaysara e pelo produtor cultural Waldemir Barabadá Coiryn.
“Parece que a gente não aprendeu nada!”
No videocast Conversa vai, conversa vem, Alice conta que o resgate do ado a levou a reflexões sobre o presente e mudou a forma com que ela enxergava o Brasil.
“Quando comecei a ir atrás dessa história, vi o quanto a gente não a aprende na escola. Como não está todo mundo sabendo e debatendo esse assunto? Investigar sobre o relatório me trouxe para o presente, não só me levou para o ado. A questão indígena é um dos temas mais importantes no Brasil atual. Lendo o documento, percebemos que estamos repetindo toda aquela violência contra os povos originários”.
“Seguimos praticando genocídio contra os indígenas. Quanto isso afeta o futuro de todos nós? Porque está tudo conectado. Eles são os guardiões da natureza, e a gente sem a natureza é o que? A crise climática está aí… Tem que demarcar terra indígena! Enquanto isso, eles lutam até hoje para o marco temporal não ar. Parece que a gente não aprendeu nada!”.
E completa: “Meu desejo com o projeto foi convidar a gente a fazer uma autocrítica como sociedade. E ele mudou a forma como enxergo o Brasil, nesse lugar de fala: a gente já parou para pensar o que veio antes da gente, no chão que a gente pisa, no que tem acontecido e a gente segue fazendo?”.
Assista ao trailer sobre Yawara neste link. No Instagram, a Audible também publicou posts que explicam a série. Assista, a seguir:
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Foto: Audible/divulgação